De olho no Planalto, Barbosa recebe até guarda-costas de Kadafi
“Ministro, tira uma foto comigo?” Até pouco tempo, esse era um pedido que Joaquim Barbosa nem sequer cogitava atender. Recusava de pronto. Mas o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), conhecido por seu perfil turrão, tem se mostrado uma pessoa mais afável. Numa tarde de quinta-feira de janeiro, ao ouvir o pedido enquanto petiscava em um restaurante de Brasília, Joaquim prontamente largou o copo de chope, levantou-se e posou para a foto, sorridente, ao lado do garçom Eduardo Luz, de 29 anos. Eduardo é estudante de direito e disse que enviaria a imagem para seus pais, moradores de Pilão Arcado, interior da Bahia.
A atenção dispensada ao garçom ilustra bem a mudança de comportamento de Joaquim, que sonha em ser candidato ao Planalto. Naquela tarde, ele fora ao restaurante, em uma região nobre da capital, justamente para tratar dessa possibilidade – algo que, em outros tempos, também rechaçaria com veemência. Conversas políticas como aquela, embalada por goles de chope e suculentos cortes de carne argentina, também passaram a ser frequentes na nova rotina do ex-presidente do Supremo. A quem o procura, ele repete a mesma resposta: ainda não sabe se é candidato, mas, se for, não aceita nada menos do que uma vaga na disputa pelo Planalto.
Barbosa tem até o dia 7 de abril para se filiar a um partido. As conversas com o PSB estão avançadas. Em dezembro, chegou às mãos dele uma pesquisa um tanto animadora: o relator do icônico processo do mensalão aparecia no topo da lista de candidatos com bom potencial de crescimento, e ainda com o segundo menor índice de reprovação – o apresentador Luciano Huck lidera nesse quesito. Outro dado da pesquisa recebido com empolgação tinha a ver com o currículo de Joaquim no Judiciário. O combate à corrupção foi apontado como a qualidade mais importante que um presidente deve ter. O ex-ministro, por seu histórico, não precisaria de muito para convencer o eleitorado.
Depois de receber as informações, Joaquim intensificou as negociações eleitorais. Apenas em janeiro, protagonizou uma série de reuniões. Esteve com representantes da bancada do PSB na Câmara, com membros da cúpula do partido e manteve contato com líderes do movimento negro. As conversas se estenderam a quem é capaz de guindar uma campanha: um marqueteiro e um articulador ligado a movimentos de esquerda.
Responsável pela campanha de Eduardo Campos em 2014, o argentino Diego Brandy viajou até Brasília para uma reunião no escritório de Joaquim, no mês passado. O encontro se deu logo após o ex-presidente Lula ser condenado em segunda instância. O marqueteiro argumentou que aquele era o momento ideal para o ex-ministro se posicionar. Joaquim, porém, ponderou que prefere, ao menos por enquanto, manter o silêncio. “Na hora certa vou falar”, disse. E prosseguiu com o raciocínio: seria “oportunismo” dar as caras justamente num momento de derrocada do petista. Ele repete que não quer repetir as surradas estratégias da política tradicional.
Na sequência, Barbosa foi apresentado a Acilino Ribeiro, um advogado que no próximo mês assumirá a Secretaria de Movimentos Populares do PSB. Ligado aos movimentos de rua, Ribeiro já defendeu os black blocks, foi segurança do ditador líbio Muamar Kadafi na década de 80 – chegou a ser chefe do serviço secreto da Líbia – e acredita que investigações como a do petrolão e a do mensalão são, na verdade, uma conspiração da CIA para criminalizar a esquerda mundial.
A despeito do posicionamento controverso, Acilino é apresentado como alguém com habilidades valiosas, especialmente para um pretendente a candidato como Joaquim Barbosa. Aproximá-lo da esquerda, ainda ressentida com o mensalão e com o Judiciário, é uma delas. “Temos outros candidatos. Mas, no quesito eleitoral, não há dúvidas de que o ministro é o mais forte”, disse o advogado a VEJA. “Ele tem uma grande capacidade de captação de apoio nos setores mais populares e despolitizados”, emendou.
O caminho para o palanque estaria pavimentado não fosse um detalhe: o PSB entrou em guerra após as negociações com Joaquim indicarem que a candidatura dele era uma possibilidade real. Já há outros dois presidenciáveis na legenda – o ex-ministro Aldo Rebelo e o ex-vice de Marina Silva, Beto Albuquerque – e eles não se mostram dispostos a recuar para dar espaço a um novato. A avaliação é de que Joaquim ainda nem sequer é filiado e teria de ser submetido ao crivo da cúpula do partido antes de se candidatar. Por esse caminho, ele dificilmente conseguiria maioria. Sofreria especial resistência entre os quadros mais antigos do PSB.
“Na política, nós temos de fazer mais do que apenas investigar, julgar e dar sentenças. Nós temos de construir consenso, dialogar e compreender essa dinâmica”, dispara Beto Albuquerque, em crítica direta a Joaquim. “São palanques distintos a tribuna do Supremo e a de uma campanha. Se o Joaquim se filiar, será muito bem-vindo. Daí a ser candidato, é uma outra discussão”, completa Albuquerque, dando a exata dimensão dos obstáculos no caminho do ex-ministro.
Com um estratégico cálculo eleitoral na manga, candidatos a governador pelo PSB também tentam minar a ideia de uma candidatura presidencial do partido, em geral, e a possibilidade de candidatura de Joaquim, em particular. A justificativa começa pelo bolso: com os cofres magros e sem a possibilidade de doações de empresas, a verba pública que o partido recebe será rateada entre os candidatos, sendo que metade de todo o valor deve ser destinada às campanhas majoritárias. Uma disputa presidencial significaria menos dinheiro para eles. Não seria, portanto, um bom negócio.
O vice-governador de São Paulo, Márcio França, por exemplo, defende a tese de que o partido não tenha candidatura própria e apoie a campanha de Geraldo Alckmin ao Planalto. A resistência se repete em palanques do Nordeste, como na Paraíba, onde o PSB tende a fechar aliança com o PT. “Já avisei ao Joaquim: o senhor prepara o casco, porque nem o Eduardo Campos tinha unanimidade. As pessoas olham o umbigo regional e esquecem que a gente tem uma possibilidade de vencer”, afirmou o deputado Júlio Delgado, um dos articuladores da campanha do ex-ministro.
Em meio ao fogo cruzado, Barbosa decidiu esperar. O pior dos cenários, para ele, é se filiar ao PSB e acabar “fritado” pelos próprios correligionários. Se antes ele prometia anunciar se seria ou não candidato logo no início deste ano, agora ele decidiu esperar o congresso nacional do partido, em março, para se posicionar. “O Joaquim está jogando olhando a missa e o padre ao mesmo tempo. Mas ele tem tempo. Com essas indefinições, vai esperar”, diz um de seus aliados mais próximos. Barbosa não diz se será candidato, mas fato é: ninguém dedica tamanha atenção a algo que não interessa.