Legalização da maconha intensifica violência entre traficantes no Uruguai
O Uruguai registra um aumento no número de homicídios vinculados ao acerto de contas entre narcotraficantes. A legalização da maconha, que vem sendo implementada de forma lenta e gradual desde 2013, produziu uma redução de parte do mercado da droga, o que gera tensões pelo controle dos pontos de venda, segundo as investigações de Marcos Baudean, pesquisador da universidade privada ORT, que monitora o impacto da lei para a segurança pública do país.
Calcula-se que o mercado consumidor de maconha movimente 40 milhões de dólares (152 milhões de reais) por ano no Uruguai, dos quais 10 milhões já passaram ao setor legal da economia.
“Quando tanto dinheiro passa em tão pouco tempo para o mercado legal, alguém precisa sentir esse golpe, e isso está justamente coincidindo com um claro aumento nas disputas localizadas em certas zonas, em geral em bairros periféricos pobres de Montevidéu, onde o narcotráfico se instalou. Achamos que está ocorrendo um estrangulamento no mercado ilegal”, afirma Baudean.
Nesse sentido, o especialista considera que a regulação está cumprindo uma das suas promessas, que era tirar o mercado da maconha das mãos dos narcotraficantes. Porém, o pesquisador aborda essas conclusões com prudência, já que a legalização foi apenas parcial até 2017, quando começou a venda em farmácias – atualmente são 14 estabelecimentos em todo o país –, com uma produção controlada pelo Estado. Aproximadamente 35.000 pessoas estão registradas para adquirir maconha legalmente no Uruguai através do autocultivo, de clubes ou em farmácias. Mas também há um mercado cinzento em que os usuários legais às vezes presenteiam ou revendem a droga no seu entorno. Mas o alcance do mercado legal é cada vez maior.
Efeito previsível
Ricardo Fraiman, assessor de segurança do Ministério do Interior do Uruguai, confirmou no fim de julho as investigações que apontam um estrangulamento do mercado ilegal, durante um evento organizado pelo Observatório Latino-Americano de Pesquisas em Política Criminal. Ele observou que o aumento da violência e dos homicídios era uma consequência “esperável” do processo de legalização, segundo relatou o semanário Búsqueda. Mas o Governo também associa o ajuste de contas às operações policiais de desativação dos pontos de venda de drogas, ou a mudanças internas nesse mercado, no qual atualmente são vendidas menos substâncias baratas, como a pasta-base (um refugo da cocaína), e há mais consumo de drogas sintéticas.
Dados extraoficiais do primeiro semestre de 2018 já apontam um claro aumento dos homicídios, com 215 casos no país, contra 131 no mesmo período do ano anterior. Se essa tendência for confirmada, será um aumento histórico, segundo a organização privada Fundapro. O Ministério do Interior não divulgou suas cifras, mas reconhece que a violência aumentou neste ano.
Segundo as estatísticas oficiais, em todo o ano de 2017 foram assassinadas 283 pessoas, enquanto no ano anterior houve 268 homicídios, num país de 3,4 milhões de habitantes. Como comparação, o número uruguaio representa 8,3 homicídios por 100.000 habitantes, contra 30,8 da média brasileira, segundo dados divulgados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta quinta-feira. Em Montevidéu, a área onde são registrados mais crimes violentos, as autoridades reconhecem que cerca de 45% dos homicídios tiveram relação com brigas entre narcotraficantes pelo controle de território.
Desde que começou a legalizar a maconha, o Uruguai vem gerando estudos que medem milimetricamente os efeitos do processo, algo factível em um país com poucos habitantes e boa cobertura médica e de segurança. Além disso, pesquisadores de várias universidades reunidos na organização Monitor Cannabis complementam os dados com estudos próprios. Somam-se a isso as colaborações de instituições estrangeiras, onde a experiência uruguaia suscita um enorme interesse.
Embora as pesquisa mostrem que a população é cada vez mais favorável à regulação da maconha, o aumento da violência é observado com preocupação.
*Com informações do El País.